quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

Transbordamento


Quando somos copo dágua a tolerância é facilmente abraçada. Estamos sujeitos a paciência sem nos atentar para o quanto podemos suportar. Pensamos em litros e não percebemos que a medida real é mililitros. Copo americano, entendem? Em 250ml muitas gotas são reservadas adequadamente, sem desespero, entretanto, somos esse pouco com mania de grandeza, mania de poço. Aos demais, aparentamos poços profundos com água límpida capaz de saciar tudo, inclusive a sede. No introspecto, sabotamo-nos diariamente pelos lábios que nos bebem à demasia. Contudo, o vazio não é sentido, ele inexiste pela sede que sempre permitirá a última gota, a gota dágua. E daí transbordamos.
Ainda não estou cheio.

(José Avelino)

quinta-feira, 17 de novembro de 2011

"A mão que afaga é a mesma que apedreja"


Primeiro escrito em parceria com minha amiga/irmã Lídia Gabriela. Que venham mais, sem pressa, sem tempo, pra ontem. Ao som de Cazuza e embalados pelas palavras de Augusto dos Anjos.

Ontem e amanhã se misturaram na estranha dúvida:
És partida ou chegada?
Tantas ídas, tantas voltas e do hoje não saímos.

Na véspera os pensamentos precederam torturas
tonturas, loucuras de um coração à partir.
Partindo por algo à menos.

O que procuras?
O ontem ou o amanhã?
Quero apenas o hoje só pela vontade de negar a possibilidade do amanhã
e a saudade do ontem

Quero apenas o hoje
Com gosto de fruta mordida
Quero apenas o hoje
Por hoje
Pra ontem

(José Avelino/Lídia Gabriela)

terça-feira, 1 de novembro de 2011

Fechem as portas


Correu para a rua deixando a porta aberta. Já não era só tristeza.
O suor revelava uma testa brilhante de antigas ideias. Andava rapidamente com súbitas corridas, alguém o espera ou à espera de alguém? Já não era só aflição.
A verdade o dominava, a mesma que um dia foi mentira e outrora fábula. Sabia o que queria e no olhar abraçava todos à sua frente, sem retorno, sem relaxar as pálpebras. Já não era só medo.
Abrir mão de uma vida previamente ensinada exige muito dos dedos. Dedos que indicam, apontam, sinalizam caminhos. Já não era só procura.
Sem mais, encontrou-se no gramado em meio a cidade. Naquele instante percebeu-se único e talvez merecedor de uma felicidade qualquer, mesmo sem saber fechar a porta. Era só esperança, já não é mais.

(José Avelino)

terça-feira, 18 de outubro de 2011

Nada mais que tudo


O excesso atraiu a carência do pouco

que de cara da cara gostou, mas

percebeu nos olhos muito

menos daquilo que um

dia considerou

tudo
.
.
.

(José Avelino)

domingo, 16 de outubro de 2011

Temporalidades


Sono brusco, atentador. Nas mãos, o velho lápis insistente adentra a madrugada assim, sem pressa, como quisera falar para o papel o quão difícil é a relação entre os dois. Risco, rabisco, arrisco uma palavra: Tempo.


Lamento,
não fiz
o tempo
ser mestre do vento
que soprou, soprou, soprou e

à tempo







derrubou
o que restara
[por dentro]

(José Avelino)

terça-feira, 23 de agosto de 2011

Insônia


Despertador, acordar
Sonho bom
Travesseiro, lençol, calor
5 minutos
Despertador, acordar, atraso
Chão, sandália, toalha, banho, xixi, espelho, derrota, roupa
Fome, café, pão, mastigar, margarina, colher
Mochila, chave, dinheiro, corrida, ônibus, poltrona
janela, paisagem, viagem, desejos, estrada
caminho, caminho, caminho
Saudades de uma possível coesão. Conectivos, pontes, mãos dadas.
O despertador pede um bocejo, faltou açucar no café frio sem afeto.
Uma corrida juntos?
Poltrona 15 e 16 para viajar num horizonte além da janela.
Caminhos cruzados
Eu apenas queria acordar sem vontade de voltar ao sonho.

(José Avelino)

quarta-feira, 10 de agosto de 2011

Rascunhos # 2

Mais uma vez tentou ponderar o que sentira.
Criou regras, demarcou limites, protegeu-se.
Cansou de entoar cânticos românticos aos ventos, nem sempre eles sopram ao seu favor.
Seria algo à se pensar, à esperar?
Seria
Queria
Passado de esperança. Apressou o passo para um presente órfão de futuro.
Conseguirá?
Espero que não espere resposta.

(José Avelino)

terça-feira, 19 de julho de 2011

Sensatez para Macabéa


Louca, formidavelmente louca...
Prestes à descer do salto de lucidez trêmula pensou consigo mesma: Por que não perder o juízo? Jogá-lo aos leões e rir da sua desgraça?

Foi assim que roubara o primeiro beijo.

Acostumado à pequenas infrações, ele aceitou o ato e com atitude beijou-a, lambusou-se de saliva felina. Assim, logo após o delito ousou perguntar o nome daquela em sua frente.
O silêncio cativou.

(José Avelino)

domingo, 17 de julho de 2011

"Eu não sei dizer"...


Desisti de ouvir o quão difícil é falar
Calar- me -ei
...
...

Mesmo que a mudez me destrua, sua retórica sempre tocará meus lábios
Ouvirei seus pensamentos apenas com o sabor sonoro da voz macia
Desvendarei as respostas me desfazendo dos sentidos

O que fará quando a fala desistir de ti?
E se?

Pousará as mãos em teus olhos para respirar o cheiro da loucura restante em mim
E por fim
Se alocará em meus sonhos
Onde perderá a cabeça
E minha cabeça perderá o teu juízo.

(José Avelino)

segunda-feira, 23 de maio de 2011

Pode ser a gota d'água


Qual a medida certa? Preciso encontrar respostas imediatas para indagações surpresas. Ultimamente as indagações chegam e se instalam sem pressa para sair, folgadas, isso que elas são. Vez e outra encaram-me com voracidade capaz de incitar questionamentos intermináveis: Qual a medida certa? Certamente a medida em questão está curiosa quanto as minhas desmedidas.

Fazer-se (des)medido não é fácil e entender o valor da medida certa é muito mais complicado para quem preserva uma vidinha pacata. Lembro-me que li algo sobre transbordar e achei válido; Amar é um ato de transbordamento, perdoar também é deixar-se transbordar e isso não vem à conta gotas.

O que eu quero dizer é que só sabemos a medida quando questionamos o certo; Posso preferir dosagens alternadas de felicidade e angústia, seriedade e loucura, beijos e tapas, por que não? Essa é a minha forma de calcular o equilíbrio, é o meu caráter, sou eu. Sustentar-se assim, saudavelmente bêbado, condiz com essa realidade em que estar sóbrio não significa muita coisa. Certo?

(José Avelino)

sexta-feira, 13 de maio de 2011

A pedra


Não sei voltar. Fato constatado em minhas recentes atititudes de vida. Aprender a olhar muito adiante tem seus preços: Esquecer do presente negligenciando o passado ou por desatenção tropeçar em pedras no meio do caminho. Dias atrás a vontade de ser ontem me seduziu, pude sentir um pouco do que fui, andar como costumava, visitar lugares que me construíram. Apreciei cada momento com um sabor diferente, sabor de ontem, de sobras da ceia passada, estranhamente gostoso. Mesmo assim, a saudade não chegou aos meus ouvidos, nem ouvi discursos mentais pedindo um "um quero mais". Questionei como pensava daquela maneira, abraçava daquela forma, não falava o necessário e, ao fim, olhei para trás com respeito pelo que sou hoje. Lembrei-me que respeitar não significa querer voltar, aliás, não poderia nem saberia, a pedra no meio do caminho norteou-me.

(José Avelino)

domingo, 8 de maio de 2011

Rascunho # 1


Me reconheci em teus olhos, nada casual. Apenas vi e enxerguei, enxerguei-me. Aquele olhar de mística cínica abriu janelas pelas quais ouso pulá-las. Acho que não queria tanto. Se reconhecer pela pupila só demonstra o quanto somos... Somos um quase nada. Vazios na densidade desses olhares.

(José Avelino)

sexta-feira, 8 de abril de 2011

Eu


Ps: Reflexões após um ano de sua criação. E então, "Eu" é postado em meio ao tecnicolor atual.

Eu

Desvenda-me
Nos recantos da cidade
Indico um despertar
O sub eu
O quase ser
Inteiro sobre a metade
Exposto sem patamar

Sinta-me
(des) olhar a revelar
No rosto denunciado
O sub eu ator
O quase ser outro
Na teia a entrelaçar
Meus palcos com cuidado

Afasta-me
Por não querer desconcertar
Pela verdade a acrescentar
O sub eu espelho
O quase ser você
Me faz seguir adiante
Mudando
sem adiar.

(José Avelino)

quarta-feira, 6 de abril de 2011

E por falar em esperança


Tento um tempo
Depois destempero
penso
E desespero

Desacredito no tempero pronto!
E
No ponto
No equilíbrio
entre o real e o conto

Salve o presente
(des)viver (des)crente
Eis a lei
do corpo e mente

Logo logo
Prontamente
Ao ponto
conto um conto
com tempero
estilo caseiro

(José Avelino)

domingo, 23 de janeiro de 2011

Fico com os dois


Café e bola
A praticidade fascina
cria certezas
simplifica ações
destroi medos
extingue culpas
e fim
fim de papo.
Aprender a praticá-la assusta
assusta para quem é prolíxo.
O simples desejo de "complexar"
Somos práticos pelas situações
e prolíxos por natureza
Nada mais prático que a paixão
Nada mais prolíxo que o amor
Um xícara de café é prática
até sentir o cheiro da bebida espalhando-se pela casa
O futebol é prolíxo
até o jogador chutar a bola em direção à rede
O gol é certo
A comemoração é incerta
O café é quente
Há que o goste frio
"Ou isto ou aquilo"
Isto e aquilo
Um pouco de tudo em nada
Nada com um pouco de tudo
A prolixidade também fascina.

José Avelino